Eram 18 horas quando Fernando estacionou o carro na garagem do condomínio. Estressado com o trabalho quase não percebeu a confusão que estava formada. Um conhecido veio informar-lhe do ocorrido:
– O vizinho morreu! disse ele. Constrangido, Fernando tentava lembrar de alguma característica do falecido vizinho. Esforço vão.
– Morreu como? retrucou. – Ninguém sabe direito, mas dizem que se matou.
Como alguém que vivia tão próximo a ele, com uma linda esposa, três filhos inteligentes, dinheiro e fama, coisas que Fernando só descobriu agora, poderia sofrer com uma depressão tão avassaladora a ponto de desejar tirar a própria vida? Poderia ele ter ajudado? Oferecido uma palavra de conforto talvez? A perspectiva de assumir uma parcela de culpa não o agradava nem um pouco, falaria com seu analista sobre isso na semana seguinte. Afastou com rapidez todos esses pensamentos pouco lógicos e nada práticos. Lamentou educadamente a morte daquele bom homem, foi o que disseram, e entrou para sua casa. Precisava descansar, no outro dia haveria uma importante reunião.
Do outro lado da cidade, Jorge descia do ônibus, já eram 19:30. Antes de ir para casa tinha uma parada obrigatória. Não que não estivesse cansado, estava, trabalhou debaixo do sol o dia. inteiro, mas isso só tornava aquela cerveja no final da tarde mais saborosa. Sentando-se na mesma mesa de sempre estranhou o fraco movimento. Alguns velhos amigos vieram lhe contar a triste novidade:
- Seu Chico morreu!
Seu Chico era um vizinho, morava no bairro há mais de 20 anos, senhor trabalhador, vivia contando histórias pra gurizada. Era sozinho, mas não solitário, andava sempre acompanhado de muitos amigos e agora estava até enrabichado pela morena Leonora do forró.
– Mas o que aconteceu? perguntou Jorge ainda abatido com a súbita notícia. – Parece que foi assalto...
Mais um número, mais uma estatística, mas agora ela tinha um rosto, era seu Chico, pensava Jorge. E o que mais doía em Jorge era a sensação de culpa, no fim das contas sabia que aquele assalto trazia uma parcela de responsabilidade de todos nós. Era culpa de quem tinha demais, de quem votava errado, de quem permanecia calado, de quem fechava os olhos e dormia em paz todas as noites. Ele mesmo fechara os olhos tantas vezes e agora um tapa vinha abri-los a força.
A televisão chegou no condomínio de luxo e na periferia. Fernando não estava lá. Jorge estava. Não deu entrevistas, mas seu rosto ao fundo, no canto esquerdo da tela, disse tudo o que precisava ser dito.
Sophia acompanhando os acontecimentos pela TV não pôde evitar pensar “Talvez eu quisesse ter nascido lá, do outro lado da cidade”.
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